segunda-feira, 29 de junho de 2009

IGNORÂNCIA


IGNORÂNCIA


Maria Julia era uma menina que vivia perambulando pelo nosso bairro, e todos a conheciam como “ Zula, a bobinha”. Quer fizesse sol, chuva ou frio, lá estava ela, sempre na rua, suja e maltrapilha, com o nariz escorrendo e aquele rostinho fragilizado a esperar sabe-se lá o que da vida. Onde quer que achasse um portão aberto, ela entrava, postava-se em frente a porta da casa e ali ficava até que lhe dessem um prato de comida.. Nada falava e nada exigia, e de vez enquanto o esboço de um sorriso transparecia em seu rosto ao ver a alegria das crianças que brincavam felizes.

Tinha pai e tinha mãe, mas de que lhe adiantava? Nem lhe enxergavam no meio daquela turminha onde o alimento era escasso e o carinho não existia. O pai trabalhava feito louco e se desdobrava em horas extras, mas mesmo assim o salário era pouco, para saciar aquela prole. A mãe, que poderia estar ajudando, mais parecia um anciã em seus 45 anos de vida e 10 filhos, doente, envelhecida e alquebrada nada mais fazia a não ser dormir. Os filhos tão logo aprendiam a correr, também aprendiam que a rua era o melhor lugar para a barriga vazia e perambulavam pelos bairros da periferia.

E assim, Zula entrou para a adolescência e foi ficando mocinha. As pessoas mais compreensivas e generosas do bairro, ( incluindo minha mãe), colocavam-na no banho e davam-lhe uma muda de roupa usada para trocar, o que para ela, era um presente dos deuses e a felicidade transparecia em seu olhar. Ninguém sabia porque ela não falava, soltava a voz, mas só para dizer entre dentes: “ sim e não, sim e não”. Só aparecia em sua casa para dormir, isto quando aparecia, pois a maior parte das vezes ela dormia no banco da praça ou nos degraus da igreja para indignação das beatas , que tanto se incomodavam mas nada faziam para melhorar a vida daquela pobre criatura ambulante.

Um dia, Zula apareceu doente e vomitando. As beatas ficaram com os cabelos em pé, e se ela estivesse grávida? Uma delas, banhou Zula trocou-a e a levou a um médico, e de fato, estava grávida. O alarido do bairro foi geral pois todas as comadres a conheciam e a noticia se alastrou em questão de minutos. Quem seria o bastardo abusante? E por mais que perguntassem a Zula, ela nada respondia, era de uma ignorância total. Mas que esperar de uma menina de 13 anos, bobinha e analfabeta que jamais teve conhecimento das regras básicas da vida e das maldades que proliferavam?
Havia tantos culpados...

O médico, ciente da vida que a menina levava, e de todos os problemas que poderiam surgir com uma criança à tiracolo, prontificou-se a fazer um aborto. Mas as beatas reagiram de modo espetacular, e se prontificaram a cuidar da menina, na intenção de salvar uma alma de Deus. E assim, Zula foi levando a vida e a barriga para frente. Comia e dormia aqui e ali, mas ninguém a queria definitivamente. Quando chegou o dia do BB nascer, alguém a levou para o hospital e esqueceu-a. E ela teve o BB, um bonito e viçoso menino, que tão logo foi colocado sem seus braços, ela agarrava e enchia de beijos numa euforia quase louca, como se fora o brinquedo que ela jamais tivera .Quando teve alta, ninguém apareceu para ajudá-la, nem sequer um parente. A direção do hospital achou por bem, ficar com o BB para ser adotado por alguém que garantisse um futuro promissor para àquele linda e adorável
criança que de nada tinha culpa.

À tarde, colocaram-na chorando para fora do hospital, mas ela, sem o seu precioso fardo, não foi embora. Ficou ali, rondando o hospital feito um cachorrinho acuado. E veio a noite, não se sabe como ela conseguiu burlar a vigilância e entrar no hospital. Do mesmo modo, conseguiu entrar no berçário, e na semi-claridade, pegar o BB que julgava ser seu, pois
“ Mãe nunca se engana”, e sair de mansinho, com o precioso fardo nos braços.

Correu para fora feliz da vida com seus filho quentinho e seguro em seus braços. Foi então que ouviu a balburdia das enfermeiras alertando os guardas, que imediatamente correram atrás dela. Ela correu mais ainda, frágil e fraca como estava, tropeçou no meio da rua e estatelou-se no meio do asfalto que imediatamente se tingiu de rubro, pois um carro que passava em alta velocidade não pode frear em tempo e matou-a instantaneamente. O BB, arremessado ao longe, bateu a cabecinha no asfalto e também morreu. Imediatamente juntou-se uma multidão de curiosos, mídia e autoridades para cobrir e divulgar a tragédia. No outro dia, Zula que enquanto viva, era só uma bobinha indigente, virou manchete na primeira página, mas a verdade da verdade, jamais foi dita.
Mas só assim, a pequena Zula subiu para Deus com o seu preciosos fardo e enfim descansou.

Sobre a obra
Quantas Marias perambulam por ai, sem cuidados, sem amparo e sem condições dignas para sobreviverem?

sexta-feira, 5 de junho de 2009

A LENDA DO GUARANÁ


A LENDA DO GUARANÁ


Conta a lenda que um casal de índios Maués, viviam juntos a muitos anos e ainda não tinham filhos. Um dia, pediram a Tupã para dar-lhes uma criança. Tupã atendeu o desejo do casal e deu-lhes um lindo menino, que cresceu cheio de graça e beleza e se tornou querido de toda a tribo.

No entanto, Jurupari, o Deus da escuridão e do mal, sentia muita inveja do menino e decidiu matá-lo. Certo dia, quando o menino foi coletar frutos na floresta, Jurupari aproveitou para se transformar numa serpente venenosa e matar o menino. Neste momento, fortes trovões ecoaram por toda a aldeia, e relâmpagos luziam no céu em protesto.

A mãe, chorando em desespero ao achar seu filho morto, entendeu que os trovões eram uma mensagem de Tupã. Em sua crença, Tupã dizia-lhe que deveria plantar os olhos da criança e que deles nasceria uma nova planta, dando saborosos frutos, que fortaleceria os jovens e revigoraria os velhos. E os índios, plantaram os olhos da criança e regavam todos os dias. Logo mais, nesse lugarzinho onde foi enterrado os olhos do indiozinho, nasceu o Guaraná, cujos frutos, negros como azeviche, envoltos por uma orla branca em sementes rubras, são muito semelhantes aos olhos dos seres humanos.


O GUARANÁ


O Guaraná é um arbusto trepador pertencente à família das Sepindáceas, Paullinia Cupana. Sua casca é escura e as cascas são pinadas. As flores de tamanho médio são muito aromáticas, e os frutos, vermelhos e brilhantes, quando secos tornam-se pretos. O Guaraná é muito empregado como planta medicinal para evitar a arteriosclerose, e auxiliar nos problemas do coração e das artérias, funcionando como um notável cardiovascular. Pode também ser usado como sedativo e adstringente intestinal, na ocorrência de diarréias crônicas. Suas sementes após torradas e moídas, convertidas em massa, é utilizadas no comercio como pó de guaraná, e serve para o feitio de refrescos e refrigerantes.


A FESTA DO GUARANÁ


A primeira festa do guaraná realizada em Maués, ( a 260 Km de Manaus), deu-se em novembro de 1979, com o apoio da prefeitura e do governo do Estado do Amazonas. Este evento foi criado como forma de homenagear o produtor de Guaraná, que é a base de sustentação do município de Maués, atraindo novos investimento e divulgando o guaraná além de suas fronteiras. Em 1.980, a festa do Guaraná ganhou espaço internacional, quando foi transmitida pelo fantástico pela Rede Globo de televisão. Em 1.995 , a festa do Guaraná passou a ser transmitida via Satélite pela Rede Amazônica de Televisão. Esta festa é muito bonita, pois é realizado o concurso de Rainha do Guaraná, apresentada a lenda do Guaraná e os rituais de tucandeira e outras manifestações culturais do município. E como se vê, a planta trouxe realmente progresso para a tribo, devido ao abundante comércio de suas mudas , que são cultivadas em sua maior parte pelos índios Maués.


Doroni Hilgenberg

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http://www.overmundo.com.br/banco/a-lenda-do-guarana

quinta-feira, 4 de junho de 2009

O APELIDO



O Apelido

Quando fiz dezesseis anos, achei que já estava na hora de arrumar um namorado. Todas as minhas amigas já estavam namorando e eu não queria segurar vela. Embora papai achasse que eu era nova ainda, eu achava que estava na idade certa e da razão. Um belo dia, numa festinha na casa de amigas, fiquei conhecendo o José. José mesmo! Era bonitinho, sabia dançar, sabia conversar e tal como eu era estudante. Achei que daria um bom namorado.


Uma semana depois estava eu toda feliz com um namorado, indo a festinhas aqui, cinemas ali, passeios pra cá, colégio pra lá e tudo corria às mil maravilhas, pois até meu pai depois de conhecer o menino se encantou pelo mocinho. Mas nosso namoro continuou legal até eu descobrir seu apelido: –Juquinha! De cara eu detestei. Porque Juquinha? Fosse Zé ou Zequinha, vá lá, mas Juquinha... jamais! Me parecia tão caipira...


Comecei a implicar com o garoto na esperança de que ele se interessasse por outra garota e esquecesse que eu existia. Vã esperança. Não havia jeito. Por mais que eu deliberadamente faltasse aos encontros, por mais que eu implicasse com suas roupas e seu cabelo, ele não arredava o pé. E eu, via o tempo passando e o Juquinha cada vez mais grudado em mim. Namorado é isso! Pensei comigo que em breve ele ia servir o exército e então eu poderia terminar o namoro pois geralmente naquela época os meninos da classe média, iam servir no Rio de Janeiro. Mas quê! Ledo engano, para azar meu ele foi dispensado. E eu cada vez mais chateada e ele cada vez mais enamorado.


Nesta época eu já estava de olho num certo Antonio que morava no outro bairro. Enfim, que seria de nossa juventude se tivéssemos só um namorado? Seria como provar só um doce até ficar enjoativo. Para aumentar mais ainda a minha insatisfação, minha mãe dizia que o Juquinha era baixinho. Já pensaram? Juquinha e baixinho! A esperança de que ele se esticasse no quartel já não existia e eu, pobre de mim, já sou baixinha. Ficava imaginando que se acaso casasse com ele, nossos filhos seriam anões. Nada contra, mas dois baixinhos não dá pé. Naquela semana terminei o namoro. Pobre Juquinha, julguei ver lágrimas em seus olhos, mas que fazer, era eu ou ele.


Um mês depois, estava de namorado novo, nada mais e nada menos, que o certo Antonio do bairro vizinho. Alto, magro e brincalhão. Mas nosso namoro só durou até eu descobrir seu apelido. Querem saber? Eu não conto, é outra história...


Doroni Hilgenberg